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DE NORTE A SUL: Vara da Justiça Itinerante celebra 19 anos de cidadania em movimento em Roraima

Publicada em: 12/09/2025 10:33 -

A Vara da Justiça Itinerante do TJRR foi oficialmente instalada em 29 de setembro de 2006, mas a sua trajetória começou quase uma década antes / Foto: Nucri/TJRR /

Democratizando o acesso aos serviços jurídicos, a Vara da Justiça Itinerante (VJI) completa, neste mês de setembro, 19 anos de atuação em Roraima. Desde a criação, o programa garante que direitos fundamentais cheguem de forma rápida e gratuita a todas as pessoas, independentemente da distância ou da condição social.

Por terra, água ou ar, a Justiça Itinerante já percorreu comunidades urbanas, rurais, ribeirinhas e indígenas, ultrapassando barreiras geográficas e sociais. Muito além das audiências e serviços jurídicos, a iniciativa leva cidadania, dignidade e esperança, em parceria com diversas instituições que, juntas, já realizaram milhares de atendimentos ao longo de quase duas décadas.

ORIGENS

A Vara da Justiça Itinerante do Tribunal de Justiça de Roraima foi oficialmente instalada em 29 de setembro de 2006, mas a sua trajetória começou quase uma década antes. Em 16 de abril de 1997, por meio da Resolução nº 001/97, foi criado o Juizado Especial Volante, marco pioneiro que levou o Judiciário para além das paredes do fórum. Inspirada em experiências de outros estados, a então juíza Tânia Vasconcelos — hoje desembargadora do TJRR — apresentou a proposta de aproximar a Justiça das comunidades mais distantes, garantindo soluções rápidas, simples e eficazes a cidadãos que, muitas vezes, sequer conheciam os seus direitos.

“Em 1996, o então presidente, desembargador Carlos Henrique, me deu a oportunidade de conhecer a chamada justiça sobre rodas, já em funcionamento no Acre. Lá, utilizavam um ônibus para atendimentos e uma van dedicada a ocorrências de trânsito sem vítimas. Essa experiência me inspirou a trazer o modelo para Roraima. Com o tempo, a Justiça Móvel, como passou a ser chamada, foi se aperfeiçoando até se consolidar como Justiça Itinerante”, relembra a desembargadora.

PRIMEIRAS EXPEDIÇÕES

Com a semente plantada, foi na gestão do desembargador Elair Morais que o projeto ganhou fôlego e passou a alcançar comunidades do interior. À época juiz Diretor do Fórum, o hoje desembargador Mozarildo Cavalcanti elaborou um plano para expandir os atendimentos e recorda:

“Iniciamos os trabalhos de coordenação em um período muito especial. A visão do desembargador Elair sempre foi levar o Judiciário até as populações mais afastadas das sedes dos municípios, que enfrentavam maiores dificuldades de acesso. Naquela época, o tribunal percorreu todo o Estado, dedicando atenção especial às comunidades distantes, que até então não tinham experimentado a presença da Justiça de forma tão efetiva. Tive a oportunidade de elaborar o projeto do novo formato da Justiça Itinerante e de coordenar sua execução em todos os municípios do interior do Estado, consolidando uma atuação que aproximou de forma inédita a Justiça da população do nosso estado”, destacou o desembargador Mozarildo Cavalcanti.

Na virada do século, em novembro de 2000, ocorreu a primeira grande expedição: a Cruzada da Justiça Itinerante, no Baixo Rio Branco. Durante 15 dias, mais de 90 profissionais de diferentes órgãos — entre eles TJRR, Ministério Público, Defensoria, Receita Federal, TRE-RR, Exército, Polícia Militar, além de médicos e equipes de saúde — ofereceram serviços essenciais a centenas de moradores.

A servidora Ana Luiza, com quase três décadas dedicadas ao TJRR, guarda na memória essa experiência pioneira:

“Quando não havia espaço adequado, montávamos os computadores debaixo das árvores e atendíamos até a última pessoa. O cansaço desaparecia porque o trabalho era feito com amor e alegria. Foi muito gratificante”, recorda.

CONSOLIDAÇÃO

Em 2001, sob a gestão do desembargador Lupercino Nogueira, o programa passou a se chamar Justiça Volante, reunindo tanto a Justiça Itinerante quanto o projeto Justiça no Trânsito. Diante da relevância e da demanda crescente, em setembro de 2006 foi oficialmente instalada a Vara da Justiça Itinerante, com competência para atuar em todo o estado.

A unidade passou a concentrar iniciativas como o Programa Itinerante de Registros, o Justiça no Trânsito, os Núcleos de Atendimento e Conciliação e a Unidade Móvel (ônibus), que até hoje percorre bairros da capital e municípios do interior.

“A Justiça Itinerante é justiça em forma de amor. É inclusão, solução imediata e cidadania. Atende qualquer cidadão ou cidadã, de qualquer credo, cor ou raça, sem distinção, sempre de forma gratuita”, destacou a desembargadora Tânia Vasconcelos, que assumiu a titularidade da Vara em 2006 e permaneceu até sua promoção ao cargo de desembargadora, em setembro de 2010 — tornando-se a primeira mulher a integrar a Corte do TJRR.

EXPANSÃO

De 2010 a 2022, a unidade foi conduzida pelo então juiz titular, hoje corregedor-geral de Justiça, desembargador Erick Linhares. Nesse período, a VJI ampliou sua atuação, com destaque para o atendimento a povos indígenas e migrantes em situação de vulnerabilidade. O magistrado relembra que um dos maiores desafios foi levar documentação básica às comunidades indígenas.

“Os primeiros e maiores atendimentos do Judiciário a comunidades indígenas foram conduzidos pela desembargadora Tânia Vasconcelos. Mas alguns grupos não haviam sido contemplados, por exemplo, em 2016, percebemos que não havia registro dos Waimiri Atroari. Com o apoio da Funai, conseguimos iniciar os serviços ali em 2018 e, hoje, toda essa população está devidamente documentada, inclusive com emissão de carteiras de identidade. Foi uma conquista histórica”, relembra o magistrado.

Outro marco importante da trajetória da Vara da Justiça Itinerante foi o atendimento a migrantes em situação de vulnerabilidade, especialmente em razão do fluxo vindo da Venezuela. Para o desembargador Erick Linhares, o desafio foi adaptar a prestação jurisdicional a uma população fragilizada, muitas vezes vivendo em praças ou abrigos improvisados, sem documentação e em busca de apoio.

A equipe da VJI firmou acordo de cooperação com a Agência da ONU para Refugiados (Acnur) e ampliou os serviços. Passaram a ser oferecidos atendimentos do Juizado da Fazenda Pública, garantindo acesso à saúde e educação, além de demandas de família, união estável e casamentos coletivos.

“Descobrimos que a maior necessidade era o reconhecimento das relações familiares, pois muitas famílias chegavam separadas, sem documentos, e precisavam se reorganizar para seguir a vida. Tivemos que redesenhar nosso trabalho: as audiências passaram a ser realizadas em espanhol, e a exigência de tradução de documentos foi dispensada, para que ninguém ficasse sem atendimento por falta de recursos. Foi um grande aprendizado: a Justiça precisa ser flexível para alcançar os indígenas, os migrantes e todos aqueles que mais precisam”, completou o desembargador.

PRESENTE E FUTURO

Desde 2022, a Vara da Justiça Itinerante está sob a condução da juíza Graciete Sotto Mayor, que reafirma o compromisso de manter a proximidade com a população e levar cidadania onde o Estado dificilmente chegaria.

"É uma honra poder suceder dois grandes magistrados, a Desembargadora Tânia Vasconcelos e o Desembargador Erick Linhares, como titular da Vara da Justiça Itinerante. Nesses 19 anos, a vara aumentou a sua competência e os atendimento. Ano a ano, estamos indo a novos lugares, levando o Poder Judiciário a lugares mais distantes, usando a tecnologia, usando toda a estrutura do Poder Judiciário para que os nossos jurisdicionados sejam atendidos. Afinal de contas, é para isso que a Justiça Itinerante existe, para levar a cidadania a todo lugar".

Além das audiências e registros civis, a unidade também promove casamentos coletivos, mutirões de retificação de nome e parcerias em ações sociais, reforçando seu caráter inclusivo e humanizado.

Atualmente, a VJI funciona no Fórum da Cidadania Palácio Latife Salomão, no Centro de Boa Vista, mas segue sua missão pelos interiores, rios e estradas de Roraima. Com 19 anos de história, o programa continua transformando vidas e mostrando que a Justiça pode, sim, chegar a todos.

O servidor Darwin de Lima, integrante da equipe da Vara da Justiça Itinerante, relembrou de forma emocionada o impacto dos atendimentos em comunidades distantes e a simplicidade que marca cada encontro:

"Imagine atender uma pessoa que chega descalça, de bermuda, depois de vários dias sem poder tomar banho. Para eles, a nossa presença na comunidade já é uma conquista. Recebem-nos como vivem no dia a dia, sem formalidade. E nós procuramos atender sempre com presteza, respeito e simplicidade, princípios que norteiam nosso trabalho."

Segundo Darwin, esse respeito ao modo de vida das pessoas torna os atendimentos mais humanos e significativos:

"Percebemos a alegria no rosto deles, a forma como nos tratam. Muitas vezes não se trata de algo grandioso — uma certidão de nascimento, um CPF, uma identidade. São documentos simples para nós, mas de enorme importância para eles. Cada atendimento é, na verdade, um resgate de cidadania."

Atualmente a Vara da Justiça Itinerante está localizada no Fórum da Cidadania – Palácio Latife Salomão (Av. Glaycon de Paiva, 458-588, Centro, Boa Vista/RR).

EMILY SOARES, MAIRON COMPAGNON E JULIANA SOARES


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